Canhotos ainda sofrem num mundo destro

Embora não sejam mais perseguidos como antes, não têm ainda muitos motivos para comemorar seu dia

CLÁUDIA FONTOURA - O Estado de São Paulo

Hoje é o Dia Mundial do Canhoto. Nem por isso, a dentista Carmem Abranches vai conseguir usar uma tesoura, abrir uma lata ou trabalhar em seu consultório sem esquecer que o mundo é feito para os destros. Afinal, ela faz parte dos 10% da população mundial que passam a vida tentando se adaptar a um universo de objetos, utensílhos e equipamentos feitos para quem tem mais habilidade na mão direita.

A escolha do dia, que quando cai numa sexta-feira parece ainda mais esquisita, tem duas versões. Uma delas está associada ao fato de 13 ser um número conisderado de má sorte e agosto, um mês agourento. Outra explicação é que o dia seria o mesmo do aniversário de um dos fundadores da entidade norte-americada Left-handers International, de Topeka, Kansas, uma espécie de associação mundial dos canhotos, criada em 1976.

Perseguidos durante a Idade Média, os canhotos deste século também sofreram. Há alguns anos crianças canhotas eram castigadas por professores que as obrigavam a escrever com a mão direita.

Quando pequena, Carmem resistiu bravamente às tentativas dos pais em torná-la destra. "Não houve jeito e eles foram aconselhados a me deixar em paz", conta. Na faculdade, no entanto, não escapou. "Tive de aprender a usar a mão direita para manusear os instrumentos feitos para destros", diz. O treino, segundo ela, foi bom porque hoje tem habilidade nas duas mãos.

Edgar Scandurra, do grupo Ira, "vinga-se" dos destros na hora de tocar guitarra. Ao contrário de outros canhotos, ele não inverte as cordas do instrumento. "Aprendi sozinho no violão de meu irmão, que era destro, e tive de me adaptar", conta. "Parece um fenômeno natural."

O estudante Lucas Mello, de 13 anos, aluno do Colégio Magno, nunca foi obrigado a virar destro, mas diz que o fato de ter mais habilidade no lado esquerdo o atrapalha um pouco na hora de praticar esportes.

"Nas aulas de esgrima da escola, sou o único canhoto de uma turma de 16 destros", explica. "O professor ensina os movimentos e eu tenho de adaptar para o lado esquerdo."

Colega da mesma escola, Ana Carolina Braga, de 13 anos, acha que a indústria deveria se preocupar em fabricar objetos específicos para canhotos. "É complicado, por exemplo, usar tesouras e abridores de lata", reclama. Na escola, embora haja número suficiente de carteiras para canhotos, Ana Carolina, às vezes, diz ter dificuldade em encontrar uma vazia. "Muitos alunos destros preferem usá-la por que dizem ser melhor para colar."

A empresária Rebeca Conde, dona da loja Emporio Donna, não teve a mesma sorte de Ana Carolina na escola. "Do primário até a faculdade tive de usar uma carteira vazia ao lado da minha para poder escrever", conta. "Ficava toda torta."

Hoje, como viaja muito, sua maior bronca quanto à supremacia dos destros são os secadores de cabelo instalados em banheiros de hotéis sempre posicionados para o conforto de quem usa a mão direita. "Para usar esses secadores, tenho de ficar de costas para o espelho."

Causa - Segundo o neurocientista Gilberto Xavier, do Departamento de Fisiologia de Biociência da Universidade São Paulo (USP), ainda não existem conclusões científicas para o desenvolvimento da lateralidade.

Além da genética, os cientistas acreditam que o canhotismo esteja relacionado ao funcionamento dos dois hemisférios do cérebro. "Assim, os destros têm a maior parte do controle motor feito pelo hemisfério esquerdo e os canhotos, pelo hemisfério direito", explica.

Se os canhotos foram tão perseguidos até pouco tempo, hoje são reconhecidos por se destacarem em muitas atividades. "Não existem estudos científicos, mas sabe-se que pessoas que deram grandes contribuições à humanidade eram canhotas", argumenta Xavier.

Para o neurocientista, talvez o fato de serem obrigadas a se adaptar num mundo feito para os destros seja uma vantagem, afinal. "Pelo fato de serem minoria, talvez acabem tendo uma demanda diferente que os faça desenvolver mais o sistema nervoso."

Fonte: O Estado de São Paulo

A Questão dos Canhotos

Observando os desenhos de mãos, feitos pelos homens das cavernas, notou-se que a grande maioria das mãos desenhadas eram a esquerda, o que leva à conclusão que foram desenhadas pela mão direita. Mesmo nessa época já havia uma tendência maior para as pessoas serem destras em vez de canhotas. Nos animais, a porcentagem de canhotos e destros é igual.

De acordo com os estudos citados por Springer e Deutsch, os pais, sendo ambos destros, tendem a gerar 2% de filhos canhotos; entre os pais canhotos e destros 17% dos filhos são canhotos e quando os pais são todos dois canhotos a chance dos filhos serem igualmente canhotos é de 46%. Na população, de um modo geral, 10% são canhotos. No caso dos gêmeos essa porcentagem dobra: 20% deles são canhotos e têm maior incidência de problemas neurológicos, talvez devido à situação de desconforto causada pelo pequeno espaço no útero.

Estudos recentes sugerem uma interessante correlação entre lateralidade e sistema imunológico. Os doutores Norman Geschwind e Albert Galaburda, em suas pesquisas, chegaram à conclusão que, entre os canhotos, há um maior índice de certos problemas imunológicos. Em cinco dentre oito doenças imunológicas, o número de canhotos era bem maior do que o da população em geral. Eles supõem que o fato seja devido à presença de testosterona no desenvolvimento fetal que diminuiria o aprimoramento do hemisfério esquerdo, favorecendo o desenvolvimento do hemisfério direito. Como a testosterona atinge fetos de ambos os sexos, tendo uma menor atuação no feto feminino, isso explicaria a maior incidência de canhotos e deficientes de linguagem e cognição na população masculina.

Na maioria dos canhotos os hemisférios cerebrais funcionam da mesma forma que os das pessoas que preferem o uso da mão direita. Somente 4% dos canhotos têm as funções dos lobos cerebrais invertidas e menos de 1% dos destros têm as posições do criar e do recordar invertidas.

Existem pessoas que, ao escreverem, colocam a mão numa posição invertida, com o polegar voltado para baixo. Nesses indivíduos a função da fala está no hemisfério do lado da mão que escreve. Se é canhoto a fala está no lado esquerdo; se é destro, a fala está no lado direito do cérebro. Isto facilita, de certa forma, a identificação do hemisfério que rege os mecanismos da linguagem, assim como qual deles está dirigindo o aspecto criativo.

São poucos os canhotos que escrevem com postura normal. Springer e Deutsch, analisando este assunto, dizem o seguinte:

"Em um estudo medindo a quantidade de atividade alfa em cada hemisfério, canhotos com postura normal mostraram mais envolvimento de áreas visuais do hemisfério direito durante tarefas de leitura e escrita do que os invertidos. Não foram encontradas diferenças quando os indivíduos eram solicitados a falar ou escutar material verbal."
É interessante essa informação, pois leva a crer que os canhotos que escrevem numa posição normal utilizam os dois hemisférios para atividades de linguagem, o que lhes dá maior agilidade mental e melhor aproveitamento de suas faculdades. Jerre Levy notou que muitos canhotos tinham habilidade linguística nos dois hemisférios, levando-a a pensar que as funções espaço-visuais eram menos desenvolvidas pelo fato do hemisfério direito estar com determinada área ocupada pela habilidade linguística. Essa hipótese foi comprovada através de experiências.
Alguns pesquisadores chegaram a pensar que a função linguística, sendo distribuída mais bilateralmente nos canhotos, os dotavam de habilidades superiores, tornando-os mais criativos.

É certo, porém, que um maior e mais eqüitativo aproveitamento das funções dos dois hemisférios, sejam entre canhotos ou destros, leva o indivíduo a ser mais imaginativo, mais capaz de resolver questões difíceis do seu dia-a-dia, a perceber e compreender o que o cerca, além de desenvolver habilidades e potencialidades que estão latentes no ser humano. Algumas pessoas que desejam aprender a desenhar, pensam que, pelo fato de utilizarem a mão esquerda vão ser capazes de desenhar bem. Aprender a desenhar é aprender a ver e a criar. Essas condições não se desenvolvem mudando de mão e sim desenvolvendo características próprias. Existem excelentes pintores que trabalham com os pés, com a boca e com as duas mãos. Aprendendo a ver, a perceber traços e formas, consegue-se desenhar bem.

Celeste Carneiro é artista plástica, educadora e terapeuta. Orienta cursos sobre Criatividade e Cérebro, Facilitando a Aprendizagem e outros.
E-mail: cel5@terra.com.br

fonte: http://www.epub.org.br/cm/n15/mente/lateralidade.html#Para%20Saber